Pecadores (2025)
- Douglas Moutinho
- 4 de mai.
- 3 min de leitura
Interestilismo no Cinema Contemporâneo: A Harmonia de Gêneros
Ainda nos anos 80, o cinema norte-americano tomou consciência de si mesmo, passando a desenvolver parte de sua filmografia sob a denominação de maneirismo. Essa estética, notadamente utilizada por cineastas como De Palma, Lynch e Greenaway, buscava evidenciar suas escolhas estilísticas e narrativas por meio de uma forma carregada e repleta de referências visuais às suas inspirações.

Após esse período — talvez com exceção apenas do cinema de fluxo —, os Estados Unidos viveram décadas em que as produções deixaram de se enquadrar em um modelo estético e temático padrão, exportando filmes variados, porém ainda marcados pelo ritmo estadunidense. No entanto, podemos observar certa tendência nos últimos anos, em que cada vez mais filmes transitam entre estilos cinematográficos distintos, ensaiando uma estética que chamarei aqui de interestilística.
Notadamente, vários desses filmes entregam resultados preguiçosos e pouco inspirados, nos quais o único motivo de elogio é a ideia — já não tão nova — de mesclar estilos distintos. O que dizer, por exemplo, sobre a cena de dança em O Maestro? O ensinamento que nos fica é: o cineasta deve propiciar essa transição e desenvolver uma gramática que torne possível tais mudanças, incorporando elementos de todos os gêneros desejados sem, subitamente, eliminar algum elemento que funcione como condutor da mudança estética.
O resumo do que considero necessário para o bom funcionamento de uma proposta interestilística pode parecer simples. No entanto, decidir e medir os elementos estéticos ligados a gêneros específicos torna-se uma missão que impõe significativa dificuldade aos cineastas, exigindo deles domínio e conhecimentos teóricos ímpares. Essa é a deixa para Ryan Coogler mostrar o seu talento em Pecadores, absolutamente o seu melhor trabalho — mesmo em uma filmografia que inclui Pantera Negra e Creed. O sucesso — de crítica e de público — parecia ser algo inevitável para Coogler, que conseguiu um acordo inédito com o estúdio Warner Bros. Para permitir que o estúdio produzisse seu roteiro, foi acordado, entre outras cláusulas, que o corte final seria do diretor e que, após 25 anos, os direitos do filme passariam para Coogler. Embora acordos semelhantes já tivessem sido realizados por Mel Gibson e Tarantino, foram necessárias brigas judiciais e houve limitações mais explícitas. Esse acordo entre Coogler e a Warner pode ser considerado o início do fim do studio system, modelo de negócios dos estúdios vigente nos Estados Unidos desde a Era de Ouro do cinema, nos anos 30. Esse é mais um ponto de interesse pulsante desse longa, que parece possuir uma importância que vai além do que se passa em tela. Ainda assim, o que se passa na tela é pura magia, pois, assim como o músico “invoca os espíritos do passado e do futuro”, Coogler parece conseguir brincar com o passado e o futuro da sétima arte.
Inserido no Mississippi dos anos 30, Pecadores conta a história de dois irmãos gêmeos — ambos interpretados por Michael B. Jordan — com histórico de delinquência, que retornam de Chicago para sua cidade natal e decidem montar um bar centrado na cultura do blues. Mesclando terror de vampiros, gore, filmes de gângsteres, musical, drama e comédia, o filme é um convite à apreciação de uma perfeita sintonia entre esses gêneros. Coogler entrega uma obra que flutua entre o acessível e o cult, oferecendo genuíno entretenimento por meio de uma legítima obra de arte.




