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O Auto da Compadecida 2 (2024)

uma singela homenagem à obra original


Inconcebível seria iniciar esse texto sobre O Auto da Compadecida 2 sem enaltecer o seu antecessor e evidenciar os elementos que o tornaram um dos filmes mais únicos do cinema. Entretanto, uma pergunta surge logo nas primeiras entrelinhas desse texto: tamanha genialidade está majoritariamente associada à peça original de Ariano Suassuna ou a adaptação se autoafirma suficientemente competente enquanto criadora de uma personalidade própria?

O Auto da Compadecida 2

Suassuna se apropria de um gênero europeu medieval (o auto) e o insere no contexto do sertão brasileiro do início do século XX, criando uma interseção de influências entre esses dois espaços cronológicos e geográficos interligados por diferentes versões da cultura latina, a ibérica e a americana. Nesse gênero dramático e popular, personagens humanos frequentemente alegóricos representavam virtudes e pecados ao lado de personagens místicos maniqueístas. Até o personagem do trickster, frequentemente presente em autos europeus e representado em O Auto da Compadecida por João Grilo, é o grande destaque da obra de Suassuna, nos remetendo à grandes personagens do cânone (mítico-)literário mundial, como Loki, Odisseu e Hermes. Essa forma primitiva de auto se encontra com o misticismo nordestino-brasileiro que muito carrega das suas origens europeias, embora tenha desenvolvido muitas peculiaridades próprias. O cunho moralista e cômico dos autos permanecera na obra de Suassuna, enquanto ele insere vibrantes características culturais regionais, entregando um produto que mescla cultura europeia, cultura popular brasileira, misticismo, regionalismo e teatralidade caricata.

Com esse riquíssimo material base, Guel Arraes nos brinda com um filme à altura do título. Com diálogo, movimentos de câmera e cortes rápidos que giram majoritariamente em torno do personagem de João Grilo, Arraes estabelece uma mise-en-scène coerente à história contada. O grande mérito da obra está precisamente em transportar para as telas uma experiência teatralizada (ainda que o cinema e o teatro possuam linguagens completamente diversas) em seu ritmo, caracterização, atuação e cenários, e é justamente em alguns desses elementos que a sequência falha.

O Auto da Compadecida 2

Em O Auto da Compadecida 2, um dos mais emblemáticos elementos do primeiro filme foi suprimido:  os cenários. Substituir os cenários reais da Paraíba por estúdio revela nada mais que preguiça ou mal gosto. O regionalismo, as nuances nordestinas e os cenários construídos que remontam à palcos teatrais, deram lugar a uma computação gráfica pobre que parece tentar reproduzir uma estética característica de Tim Burton com raízes no Expressionismo Alemão, mas que entrega um universo vazio sem qualquer aproximação com a obra de 2000.

Seguindo exatamente a mesma estrutura do primeiro longa, o filme é uma mescla de erros e acertos, mas não consegue se aproximar da genialidade da primeira obra. Talvez a ausência de cenário, a repetição de grande parte do roteiro e a inexistência de uma peça base contribuam para isso, mas de qualquer forma, o filme funciona mais como uma homenagem nostálgica do que como uma genuína continuação, fazendo com que valha a pena uma visita ao cinema, mas não na expectativa de presenciar algo tão memorável como o filme de 2000.

 
 

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