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Homem com H (2025)

Corpo e transgressão


Homem com H constitui-se como uma cinebiografia de Ney Matogrosso. Estruturado em torno de diversos núcleos narrativos, o filme organiza sua tessitura dramática de modo a privilegiar, sobretudo, a complexa e ambígua relação do protagonista com seu pai, um fio condutor que atravessa, de forma intermitente, toda a narrativa.

Homem com H (2025)

A obra se inicia com uma representação da infância de Ney, marcada por conflitos familiares e por uma rigidez afetiva que ressoará ao longo de sua trajetória. Seguem-se suas experiências iniciais na Força Aérea. A partir desse ponto, o filme avança para a inserção do artista no universo musical, passando por sua consagração com o grupo Secos & Molhados e, posteriormente, sua ascensão como artista solo. Contudo, essas passagens históricas e musicais são tratadas de forma  relativamente apressada, em contraste com o tempo fílmico mais generoso dedicado às relações afetivas e sexuais do protagonista. O roteiro opta por explorar com minúcia os vínculos emocionais e os momentos de intimidade entre Ney e personagens como Marco e Cazuza, bem como outros parceiros menos desenvolvidos na trama. O tratamento visual dessas cenas é marcado por uma estética sensorial eperformática, que por vezes beira o excesso, tanto na duração quanto na intensidade da exposição.

Sob o comando de Esmir Filho, a obra se destaca pela qualidade estética e pelo virtuosismo visual. A direção imprime um ritmo dinâmico e poético, especialmente nos segmentos que reproduzem performances musicais, nos quais o aspecto teatral e simbólico da persona de Ney é habilmente retratado. Entretanto, o ponto alto do filme reside, indiscutivelmente, na atuação de Jesuíta Barbosa. Sua interpretação é ao mesmo tempo contida e visceral, uma entrega marcada por nuances e por uma  expressividade corporal que recria com fidelidade e inventividade a singularidade de Ney Matogrosso. Trata-se de uma performance memorável, que certamente consolidará a presença do ator no imaginário cinematográfico brasileiro contemporâneo.

Homem com H (2025)

Não obstante suas virtudes, Homem com H não escapa de certas fragilidades, dentre as quais se destaca a representação anacrônica do ambiente militar dos anos 1950. O filme sugere, de maneira romantizada, que o comportamento não normativo de Ney teria passado incólume dentro da rígida estrutura da Força Aérea. Esse revisionismo histórico, bastante comum em produções contemporâneas, busca ignorar que atitudes que não fossem ligadas a uma postura heterossexual eram inaceitáveis em certos contextos. Ainda que se reconheça o uso da licença poética como recurso legítimo em narrativas cinematográficas, há limites quando a obra se propõe comouma reconstrução biográfica de uma figura real, assim sendo, um filme de época. A imprecisão histórica, nesse caso, não apenas compromete a verossimilhança, mas também subestima a inteligência crítica do espectador.

Em síntese, Homem com H é uma obra relevante dentro do panorama atual do cinema nacional, revelando uma indústria em constante expansão estética e temática. Embora apresente algumas falhas como a diluição de certas passagens históricas e o prolongamento desnecessário de cenas mais sensoriais em detrimento do desenvolvimento narrativo , o filme é um retrato potente de uma figura artística que desafiou normas, expectativas e estruturas. Suas qualidades superam largamente seus deslizes, consolidando-o como uma contribuição expressiva e sofisticada ao gênero da cinebiografia no cinema brasileiro contemporâneo.

© 2022 Perfil Cinéfilo: curso de cinema, crítica cinematográfica, curso de história do cinema

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