Ein Bild (1983)
- Douglas Moutinho
- 13 de out. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 20 de out. de 2024
A abordagem brechtiana de Harun Farocki em Ein Bild
É inegável a influência que o teatro e os pensamentos de Bertold Brecht exerceram sobre o cinema, resvalando sobre inúmeros cineastas ao longo da história do cinema. Woody Allen, Lars von Trier e Glauber Rocha e alguns de seus clássicos como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, Dogville e Deus e o Diabo na terra do Sol são apenas alguns dos exemplos mais famosos desses cineastas, embora essa lista poderia se estender de forma quase indefinida.
Brecht desejava romper com o cinema de sua época e com os efeitos catárticos que eles causavam em seus espectadores que assistiam às obras passivamente. Essa catarse era atingida através da identificação com os personagens e segundo ele isso era produto de uma narrativa burguesa que incentivava a passividade. Não por acaso, a forma de cinema mais comum globalmente tanto no passado como hoje é o cinema naturalista característico do cinema moderno norte-americano.
Brecht lidou com essa problemática através de um conceito que ficou conhecido como Verfremdungseffekt (algo como efeito de estranhamento). Brecht defendia que o filme em tela era uma encenação calculada e por isso deveria evidenciar os métodos de produção, a fim de descortinar a falsa ilusão de realidade da história narrada. Sendo essa exposição bem-sucedida, o espectador teria maior capacidade para refletir sobre o que o filme trata de forma direta. De forma resumida, o cinema político que Brecht defendia deveria causar desconforto e possibilitar maior reflexão crítica.
O filme Ein Bild, de Harun Farocki é um magnífico exemplo de cinema influenciado diretamente por Brecht. O curta-metragem documenta as fases de um ensaio fotográfico de nu artístico de uma modelo em suas diversas fases. Vejamos alguns pontos de interesse e que saltam a vista quando analisamos o filme sob essa ótica.

O filme de Farocki desnaturaliza as imagens, se afastando do naturalismo clássico e evidenciando cada uma das partes da criação daquela imagem de mulher nua que seria um exemplo perfeito de beleza feminina. No filme, vemos que tudo é criado e minimamente calculado, desde o cenário e iluminação até as poses da mulher. Farocki decupa todas as cenas de forma extremamente minimalista, com enquadramentos geralmente abertos e câmera fixa. Ele tenta a todo momento fugir de qualquer simbologia ou metáfora, tratando o que está na tela exatamente como o que de fato aquilo é. Essa aparente e enganosa ausência de estética com certeza cria maior estranheza àqueles não acostumado com autores que trabalham de forma semelhante, como Bresson, e isso já o aproxima de uma abordagem brechtiana.
A mise-en-scène estabelecida por Farocki incentiva o espectador a questionar a própria origem do que é vendido como belo. Ele não simplesmente ilustra um roteiro, mas permite questionamentos sobre o belo posto em um contexto de grande manipulação com o objetivo de lucro futuro.
Toda essa abordagem estética de Farocki dialoga diretamente com a visão marxista de arte de Brecht, fazendo de Ein Bild um precioso exemplo de crítica do poder da manipulação das artes e o seu serviço como alienação das massas.




