Um lugar Silencioso (2018)
- Douglas Moutinho
- 23 de set. de 2022
- 4 min de leitura
Atualizado: 10 de set. de 2024
O silêncio como sobrevivência social
O longa é uma metáfora da cultura do cancelamento oriunda da contemporaneidade.
Um Lugar Silencioso é um filme do gênero terror e suspense de 2018, dirigido por John Krasinski. O filme faz parte de uma “nova” vertente do terror chamada de pós-terror (ou pós-horror), sendo um exemplo de uma reinvenção de todo um gênero que se encontrava bastante saturado. Como representante dessa tendência, o filme inova em seu roteiro, direção e forma, explorando sensorialmente a expectativa do expectador. O terror agora passar a estabelecer uma relação muito mais inventiva com a linguagem cinematográfica, uma vez que o mesmo tem como principal objetivo causar sensações, não apenas ilustrar um roteiro.

O filme se inicia mostrando uma família (Abbot), composta por um homem, Lee (John Krasinki), sua esposa, Evelyn (Emily Blunt) e sua filha, Regan (Millicent Simmonds), Marcus (Noah Jupe) e Beau (Cade Woodward) buscando suprimentos em uma grande loja. O expectador é lançado então em um mundo pós apocalíptico sem maiores explicações sobre os motivos que levantam o mundo ao declínio. A ausência de informações que auxiliariam o expectador a situar-se no enredo e no universo mostra-se um agente da dúvida, estimulando indagações ou mesmo desnorteamento perante tal situação.
Em uma excelente cena composta por cortes sonoros, o expectador se confronta com a realidade de uma pré-adolescente com surdez. Em montagem paralela, percebe-se a ausência de som nos enquadramentos de Regan e a presença de som nos demais enquadramentos, característica que marca todo o filme. Sua surdez em momento algum é revelada verbalmente, fazendo o expectador de fato sentir essa falta de sentido ao longo do filme. É introduzida então a trama do microcosmo do longa: Beau, criança, acha um foguete de brinquedo, cabendo a seu pai proibir a sua utilização, pois o brinquedo emite som. Quando Lee sai de cena, Regan remove as pilhas do brinquedo e o entrega a Beau, pedindo-lhe segredo. Quando Regan sai, Beau torna a pegar as pilhas. Durante toda a primeira sequência do filme, todos os personagens falam por linguagem de sinais, mesmo estando aptos a falar. Percebe-se que o silêncio os salvara, fato que fica ainda mais evidente quando nenhuma outra pessoa (praticamente) aparece em todo o longa.

Na próxima sequência, ao atravessarem uma ponte, ouve-se um barulho de algum brinquedo. Beau ativara o aparato depois de inserir nele as pilhas. O close no rosto dos personagens, suas expressões de apreensão e olhares assustados, evidenciam o que sucede. Algo surge do mato, atraído pelo barulho e dilacera o menino rapidamente. Estabelece-se assim o universo do filme, tanto em micro como em macrocosmo. Um ano depois, a família luta para se recuperar da perda do filho mais novo, Lee se esforça em descobrir uma forma para Regan voltar a escutar através de implantes cochlear e o planeta de fato se encontra praticamente inabitado.
O estabelecimento do status quo do universo é essencial para fazermos a abordagem aqui desejada, o de uma leitura da morte advinda da fala. O longa de John Krasinski, então, é uma metáfora da cultura do cancelamento oriunda da contemporaneidade.
Não importa o espaço, mas sempre há três criaturas à espreita, sem explicação, prontas para matar o portador da voz. Nota-se que qualquer som atrai as criaturas, mas no filme a grande preocupação é com a voz humana (gritos de afeto, dor ou desespero).
Na personagem de Regan, temos a única pessoa que não é capaz de emitir som, fazendo dela a personagem mais distante sensorialmente do universo. É a que menos conhece o perigo nas criaturas pois não as ouve chegar, não reconhece o amor de seu pai que faz tudo por ela. Ela se encontra em uma zona aparentemente mais segura que os demais, pois é incapaz de se comunicar verbalmente, e com isso, é a que menos tem capacidade de atrair as criaturas.

O silêncio, a trilha sonora de suspense milimetricamente encaixada com a atmosfera vigente, a iluminação que se escurece quando alguma criatura adentra o cômodo onde algum personagem está, tudo isso cria uma sensação de ansiedade. A criatura irá embora ou atacará? Quando se diz algo em algum meio de comunicação de largo alcance (ou até mesmo em meio a um pequeno ciclo social), a ansiedade também se estabelece em muitos casos quando tais comentários são passiveis a fortes e agressivas críticas.
Lee morre ao gritar, gesto desesperado e ao mesmo tempo necessário para salvar sua família. Lee leva Marcus para atrás de uma cachoeira para poder gritar (desabafar), pois ele pode gritar e falar sem perigo onde “há um som mais alto sendo emitido”. Nesse momento a fotografia de forma muito perspicaz mostra o menino gritando de trás da cachoeira com sua voz abafada pelo som da água. As críticas e as criaturas são sempre guiadas pelos sons mais chamativos. Em meio a tantas vozes mais altas, uma fala mais baixa é segura, mas apenas lá.
Um lugar silencioso é um retrato do lugar “aqui e hoje”, onde a crítica à verbalização de sentimentos e opiniões estão passíveis a julgamentos daqueles que nem se conhece a origem, sempre vigilantes e prontos para assassinar os oradores quando as palavras ditas não forem do seu agrado. O lugar silencioso é o lugar de sobrevivência em um mundo onde é cada vez mais perigoso se expressar e opinar.




