Conclave (2024)
- Douglas Moutinho
- 26 de jan.
- 3 min de leitura
Atualizado: 7 de fev.
uma visão humanizada do sagrado
Conclave, a mais recente obra do aclamado cineasta alemão Edward Berger, reconhecido pela sua premiada reinterpretação de Nada de Novo no Front, é uma adaptação cinematográfica da homônima obra publicada em 2016 pelo renomado autor britânico Robert Harris. O filme narra a fictícia trama de um conclave, a solene e prolongada cerimônia na qual um colegiado de cardeais no Vaticano se reúne para eleger o novo líder da Igreja Católica e chefe de Estado do Vaticano. O processo de escolha do Papa, imerso em um véu de mistério, carrega consigo um simbolismo profundo, dado que os cardeais se isolam do mundo exterior até a definição do novo pontífice. A emblemática fumaça branca, que indica uma resolução, e a fumaça negra, sinalizando a falta temporária de um consenso, são aguardadas com grande ansiedade e devoção por fiéis que se encontram em estado de expectativa diante de uma decisão que reverberará em esferas espirituais e administrativas globais.

É evidente que, para além do mistério que permeia o evento, o misticismo intrínseco à ritualística assume uma importância central, uma vez que o novo Papa é considerado o representante máximo de Deus na Terra, sendo o sucessor de São Pedro na missão evangelizadora, um líder que não apenas molda as tendências espirituais e filosóficas, mas também exerce uma influência incommensurável sobre as vidas de milhões de seres humanos em todo o planeta.
O filme de Berger, no entanto, desfaz esse misticismo, revelando a faceta humana dos envolvidos, desnudando a aura de sacralidade e mostrando homens comuns, imersos em vícios, falhas e interesses pessoais, incumbidos de uma responsabilidade colossal. Ao aprofundar o caráter e as motivações de vários personagens centrais, Berger nos instiga a refletir sobre os múltiplos fatores econômicos, sociais e ideológicos que permeiam as relações entre os cardeais e as ambições de cada um deles pela nomeação ao papado. Assim, a obra se torna um convite à reflexão sobre o jogo de poder e as intrincadas dinâmicas de interesse que envolvem esse processo.

Paradoxalmente, mesmo ao humanizar a ritualística e reduzir seu componente místico, o filme preserva e até mesmo exalta a beleza inerente a esses rituais. O grande mérito da obra reside precisamente na sua habilidade em desvendar sem, contudo, despojar. Embora múltiplas leituras possam ser tecidas em torno dessa narrativa, é inegável que o cinema, em sua essência, é uma arte que se recusa a um único caminho interpretativo, permitindo uma vasta gama de possibilidades sensoriais e cognitivas. Neste contexto, Berger entrega uma obra primorosa, ao evidenciar que as grandes decisões que moldam o destino do mundo recaiem, na maioria das vezes, sobre os ombros exaustos de indivíduos comuns, seres humanos portadores de histórias pessoais, ideologias, gostos e preferências. São esses mesmos indivíduos que ocupam os alicerces das estruturas de poder, escolhendo representantes que, direta ou indiretamente, definem o curso da humanidade.

Esse pensamento extrapola o domínio religioso, reverberando por toda a estrutura social e política da vida humana. Contudo, Conclave também nos alerta para uma revelação profunda: não são apenas as figuras de grande importância que detêm o poder de influenciar, mas cada ser humano, por meio de suas escolhas, contribui, de forma muitas vezes imperceptível, para o tecido da humanidade. O efeito dessas escolhas gera uma cadeia interminável de consequências, criando uma multiplicidade infinita de realidades possíveis que, embora interligadas, se desdobram em diferentes trajetórias que impactam o coletivo de maneira irreversível.




