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Anora (2024)

Uma olhar tragicômico sobre a efemeridade das relações humanas


Alguns filmes se propõem a ilustrar, de forma intricada e introspectiva, aspectos filosóficos que há séculos suscitam acaloradas discussões. Em um contexto em que as possíveis resoluções para tais questões são de difícil apreensão e assimilação, é natural que a seriedade se sobreponha. Contudo, o que ocorre quando temas de tamanha profundidade são explorados não por meio de uma mise-en-scène meticulosamente elaborada, pautada por longos e sofisticados diálogos em plano-contraplano com câmera fixa, mas sim por cortes rápidos, estética frenética e atuações de forte carga emocional? A princípio, o resultado poderia ser um filme trivial, imerso em exageros desmedidos, que se perderia em sua proposta inicial, consumido pela superficialidade de um entretenimento dirigido a um público habituado a conteúdos breves e rasos das redes sociais. No entanto, Sam Baker subverte essa lógica, oferecendo um filme dinâmico, irônico, fascinante e substancial.

Anora

            Anora narra a trajetória de Ani, uma dançarina erótica e prostituta de origem russa, cuja vida sofre uma reviravolta ao se envolver com Ivan, um jovem herdeiro também de ascendência russa, que reside nos Estados Unidos à custa da fortuna familiar, ostentando uma existência marcada por festas excessivas, prostitutas, conforto e substâncias ilícitas. A relação entre ambos se aprofunda, levando-os a uma imersão na vida fácil proporcionada pela fortuna do herdeiro.

Sam Baker, de maneira patente, segmenta o filme em duas partes, e essa divisão é claramente perceptível ao espectador, em razão das variações estéticas que permeiam a obra. Na primeira metade, onde Ani e Ivan vivenciam um relacionamento descompromissado, usufruindo da juventude e das riquezas de uma vida indulgente, a câmera, sem emitir juízos de valor, flutua ao redor das festas, do sexo e das drogas, conferindo uma certa poesia visual que ressurge como uma ode à efemeridade da vida e das conexões humanas. Inicialmente, essa poesia, que parece desconsiderar a moralidade, pode sugerir que todos os prazeres e relações interpessoais dentro desse microcosmo etariamente delimitado seriam imutáveis e perenes. Esse primeiro ato – que pode ser considerado enfadonho por espectadores mais impacientes – é, no entanto, crucial para preparar o estado psicológico do público para o segundo ato, que se inicia quando a família de Ivan toma conhecimento do casamento do filho e passa a tentar, de todas as formas, aniquilar essa união. Neste ponto, toda a estética do filme se transforma: o tom contemplativo e descompromissado dá lugar a cortes rápidos e secos, a situações absurdas e a sobreposições de vozes, impossibilitando qualquer coerência dialética ou racional.

Anora

A comédia frenética que permeia o filme possui o potencial de diluir sua proposta temática ao longo de festas, disputas e perseguições. Contudo, paradoxalmente, essas situações, além de entreter e capturar a atenção do espectador, aprofundam a questão central da obra, ao ponto de, no meio da trama, levantarmos a indagação sobre a verdadeira existência de relações humanas autênticas e significativas.      

 
 

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