top of page

Ainda Estou Aqui (2024)

A maldade pode nem sempre ser visual


Infelizmente, vivemos em uma época em que tudo parece reduzido a um discurso ideológico. A beleza, a verdade e o diálogo se tornam a cada dia mais distantes, num mundo marcado pelo relativismo e pela subjetividade da pós-modernidade. Até o método científico, desenvolvido pelo frade católico Roger Bacon, se tornou alvo de questionamentos que carecem do racionalismo que definiu o século XIX. O pós-modernismo promove uma visão pluralista do mundo, priorizando o indivíduo acima das verdades universais, e com isso muitas vezes perpetua construções que se disfarçam de verdades para servir a interesses específicos.

Ainda Estou Aqui | Crítica

Neste contexto, não surpreende que novas obras artísticas sejam frequentemente alvo de críticas infundadas ou até de boicotes. Esse é o caso de Ainda Estou Aqui, o mais recente filme de Walter Salles, que tem enfrentado resistência de certos grupos políticos de direita, embora seja evidente que ações de censura também se manifestem no campo oposto. Porém, deixando de lado o relativismo pós-moderno, é preciso afirmar algumas verdades absolutas: independentemente de estarmos falando dos regimes de Hitler, Stalin, Lenin, Mao, Maduro, Franco, Salazar, Pinochet ou Kim Jong-un, o totalitarismo traz consigo incontáveis mortes, torturas, desaparecimentos e sofrimentos. E é exatamente sobre sofrimento, em sua forma psicológica, que Ainda Estou Aqui se debruça.

Ainda Estou Aqui | Crítica

O filme explora uma questão estética fundamental: como denunciar um ato inescrupuloso sem expor diretamente seu objeto? Esse parece ter sido o desafio que orientou a construção visual da obra. No cinema, o enquadramento não apenas revela, mas também oculta, e essa ambivalência permeia a narrativa de Salles. A direção de Ainda Estou Aqui evita a exposição direta e, ao fazê-lo, cria uma tensão que ressoa tanto no espectador quanto na família que está no centro da trama. Essa escolha estética define toda a mise-en-scène do filme, transformando o sofrimento psicológico num elemento quase palpável que se infiltra na audiência.O filme retrata a história real de Eunice Paiva, interpretada com profunda sensibilidade por Fernanda Torres, e da sua família após o desaparecimento do marido, Rubens Paiva, levado por agentes da ditadura militar. A vida de Eunice e de seus filhos é devastada por esse evento, e eles são obrigados a enfrentar suas consequências.

Ainda Estou Aqui | Crítica

Embora a ditadura seja o pano de fundo, o foco do filme é a experiência familiar das vítimas diretas desse período, o que confere um interesse dramático particular à obra. Essa abordagem delicada exige uma participação ativa do espectador, e a conexão com os personagens surge de forma natural e comovente, situando-nos naquele momento histórico. É impossível não se sentir ligado ao sofrimento da família, assim como éinevitável sair do cinema refletindo profundamente sobre a história acabada de assistir.

Além disso, Ainda Estou Aqui é um exemplo da excelência de qualidade na qual o cinema nacional hoje se encontra.

 
 

Deixe seu e-mail para acompanhar as novidades!

© 2022 Perfil Cinéfilo: curso de cinema, crítica cinematográfica, curso de história do cinema

  • Instagram
  • Lattes
bottom of page