O Retorno (2024)
- Douglas Moutinho
- 6 de set.
- 2 min de leitura
a odisseia interior de um herói ferido pelo tempo
O Retorno, nova adaptação inspirada nos cantos finais da Odisseia de Homero, chega aos cinemas em meio a uma onda de interesse renovado por narrativas épicas – desde o aguardado projeto de Christopher Nolan sobre o mesmo personagem, até o lançamento de Gladiador 2 e outros títulos menores que bebem da fonte da Antiguidade. Nesse cenário, o filme dirigido por Uberto Pasolini aposta em um olhar mais íntimo sobre Odisseu, aqui chamado de Ulisses, vivido com intensidade por Ralph Fiennes.

Diferente de abordagens mais espetaculares, O Retorno se concentra menos nas aventuras e mais nas consequências. Ulisses não é mais o herói invencível que partiu para a Guerra de Troia; ele retorna a Ítaca como um homem quebrado – fisicamente, emocionalmente e espiritualmente. Ao reencontrar sua ilha, descobre um lar em ruínas: o palácio foi tomado por pretendentes violentos, sua esposa Penélope (Juliette Binoche) vive sob constante ameaça, e seu filho Telêmaco (Charlie Plummer) luta para se manter vivo em meio a intrigas políticas.
O filme opta por retratar esse drama com um certo despojamento histórico – uma escolha compreensível, dada a distância entre a narrativa mítica e qualquer reconstrução arqueológica precisa da Grécia Micênica. No entanto, essa liberdade criativa também leva a escolhas questionáveis: o uso de arquitetura anacrônica, figurinos inconsistentes e um elenco que pouco reflete a realidade étnica do Mediterrâneo Antigo – que possuía fenótipo majoritariamente mediterrâneo, com variações anatólio-levantinas – podem incomodar os espectadores mais atentos ao contexto histórico-cultural.
Mais significativa, porém, é a exclusão quase total do elemento mitológico da obra de Homero. A ausência de figuras como Atena – essencial no desenrolar da Odisseia – retira parte do encanto simbólico do texto original. Aqui, não há deuses intervindo, monstros a serem enfrentados ou destinos guiados pelo Olimpo. Tudo é racionalizado, humanizado, talvez até demais. Essa escolha torna a jornada de Ulisses menos épica e mais introspectiva.
Apesar dessas limitações, O Retorno se sustenta graças às suas atuações sólidas. Fiennes entrega um Ulisses melancólico e intenso, cujo olhar carrega o peso de duas décadas de batalhas externas e internas. Binoche, por sua vez, confere dignidade e força silenciosa à Penélope, uma personagem que poderia facilmente ter sido reduzida a um símbolo passivo, mas aqui ganha espaço e profundidade.
A direção é competente, ainda que pouco ousada. Não há inovações formais ou grandes riscos estéticos, mas há solidez suficiente para construir um drama envolvente e emocionalmente eficaz. O Retorno pode decepcionar quem espera fidelidade mitológica ou grandiosidade épica. Mas, como estudo de personagem, funciona. É menos uma adaptação da Odisseia e mais uma reflexão sobre o que resta de um herói depois da guerra, depois do tempo, depois da glória. E talvez seja justamente aí que o filme encontra sua força: na humanidade silenciosa de um rei que volta para casa – e precisa reaprender a habitá-la.
Crítica do filme O Retorno (2024), por Douglas Esteves Moutinho




