Juntos (2025)
- Douglas Moutinho
- 26 de ago.
- 2 min de leitura
Terror, corpo e codependência
No campo cada vez mais saturado do horror contemporâneo, Juntos se destaca ao propor uma interseção entre o terror psicológico, o body horror e o drama relacional, oferecendo ao espectador não uma reflexão alegórica sobre os efeitos corrosivos da codependência emocional em relacionamentos de longa duração ainda que propondo uma leitura dúbia e, por vezes, contraditória das dinâmicas afetivas modernas.

A premissa um casal que se muda para o interior americano em busca de renovação e acaba encontrando forças sombrias que desestabilizam sua relação poderia resvalar na repetição de clichês do gênero. No entanto, o filme ganha substância ao utilizar o horror sobrenatural como metáfora para a erosão subjetiva provocada por vínculos afetivos simbióticos. A floresta que cerca a nova residência de Tim e Millie se apresenta como um espaço de liminaridade psíquica: um território onde as fronteiras entre o eu e o outro, entre o corpo e a mente, tornam-se fluidas, violentadas por uma força que interfere diretamente na relação do casal.
Juntos dialoga com uma tradição do horror corporal que remete a Cronenberg, ainda que com um verniz mais pop e acessível. A corrupção física que acomete os personagens não se dá gratuitamente; ela materializa a dissolução identitária que acompanha relações em que a individualidade é sacrificada em nome de uma suposta união plena.
Curiosamente, o filme tempera essa tensão com doses de humor uma escolha arriscada que, embora contribua para a fluidez narrativa e para a criação de um tom distintivo, pode comprometer o senso de urgência e ameaça necessário ao gênero. A cena do Valium, em especial, sintetiza essa abordagem, criando um momento de alívio cômico em meio ao caos, mas também sugerindo uma banalização do trauma. Essa alternância entre o grotesco e o cômico compõe uma estética de ruído, que contribui tanto para a originalidade quanto para a ambiguidade tonal do longa.

Essa ambiguidade se reflete também na forma como o filme lida com seu discurso central. Embora se proponha, em teoria, a criticar a codependência emocional, a obra frequentemente recorre a uma romantização dessa simbiose quando a sobrevivência da relação é tratada quase como redenção. Tal contradição pode ser lida tanto como falha de coesão narrativa quanto como retrato deliberado da confusão afetiva que o filme busca explorar ainda que esta leitura mais generosa exija boa vontade crítica.
Por fim, é necessário apontar que a mitologia proposta pela narrativa a origem e lógica do que assombra o casal permanece subdesenvolvida. Contudo, esta escolha não chega a comprometer o projeto estético, já que a dimensão alegórica da história prevalece sobre a necessidade de uma explicação expositiva. Em vez de operar como um universo mitológico fechado, Juntos investe em um simbolismo difuso, quase onírico, que serve mais como atmosfera do que como enredo.
Em suma, Juntos é um exercício que, embora não livre de falhas estruturais, consegue provocar reflexão e sustentar o interesse ao longo de sua curta duração. Ao explorar os limites do amor, da identidade e da carne, o filme se posiciona como um exemplo interessante da capacidade do horror contemporâneo de abordar dilemas existenciais sob a superfície do medo.
Juntos (2025) | crítica




