top of page

Golpe de Sorte em Paris (2023)

Atualizado: 18 de set. de 2024

Woody Allen e a sua “última” tentativa de ser Woody Allen


Woody Allen sempre será lembrado por ser um cineasta intelectual, sofisticado e que sempre evidencia a sua personalidade nas telas através de belas e vivas cidades, das artes, da música e também dos requintados diálogos filosóficos de seus personagens. Além disso, é inegável que ele tenha deixado um genuíno legado para o mundo (mesmo que ele tenha negado isso em recente entrevista). Esse legado, aqui tratado por filmografia, possui algumas fases e característicos marcantes. Particularmente considero os 10 anos que separam Annie Hall (1977) (tristemente distribuído no Brasil como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa) de Hannah e Suas Irmãs (1986) como indelével. No entanto, também sinto forte conexão com a sua fase que chama de cinema de predileções que o cineasta nos presenteou entre Match Point (2005) e Blue Jasmine (2013), incluindo o seu grande clássico, na minha humilde opinião, Meia-noite em Paris (2011).

Ao longo dessa extensa produção de 50 filmes, altos e baixos se fizeram presentes, e é em um desses baixos que Golpe de Sorte em Paris surge. Indo contra grande parte da crítica, ainda atribuo bom valor a Um Dia de Chuva em Nova York e O Festival do Amor, mas ainda assim, esses filmes não se aproximam do auge do cineasta. Golpe de Sorte em Paris é um filme agradável, é rodado em uma das cidades mais bonitas do mundo, se relaciona com arte, é embalado pelo tradicional e frequente jazz, faz uso de personagens alegóricos e aborda dicotomias comuns para o cineasta como acaso e destino, amor e traição, dever e desejo. Além disso, a estética do filme não difere em praticamente nada das formas já testada por Allen. Então a pergunta que fica é: por que esse sentimento de que algo está faltando?

O filme conta a história de Jean, um homem rico e controlador que lida com finanças, e sua esposa Fanny, que encontra um dia aleatoriamente Alain, um romancista pobre que era apaixonado por ela quando estudavam juntos. A dicotomia aqui é evidente: o homem rico e o homem pobre, o controlador obcecado pela honra social e o romântico, o mentiroso e o honesto. Na própria estrutura dos personagens o modelo característico de Allen ao eleger discursos filosóficos através de personagens alegóricos se impõe. Jean é um daqueles homens que acreditam fazer a própria sorte, e verbaliza isso seguidas vezes. Esse é apenas um exemplo de um debate filosófico bastante característico de Allen. A própria questão de verbalizar algo de forma incisiva leva o espectador a perceber um outro problema que trabalha lado a lado com a repetição: o overacting.

Talvez o exagero da atuação dos atores seja proposital para evidenciar elementos do círculo burguês que Woody Allen critica ao longo do filme ou talvez o cineasta não tenha se dado tão bem com o idioma francês. O que se sabe é que nada em relação aos atores soa nem natural e nem artificial rigorosamente inserido em uma unidade estilística coerente.

Em relação à já citada crítica ao meio burguês, Allen parece deixar esquecer dessa proposta na metade do filme, ignorando que em algum momento ele tenha começado a trabalhar com tais elementos. E isso é uma constante do filme, que se perde em diversos elementos narrativos e linguísticos em uma gramática incoerente e que parece automatizada, apenas trabalhando ao modo de operação “Woody Allen”. A própria trilha musical que acompanha o filme parece em modo automático, não sentindo a narrativa. As predileções de Allen estão presentes, mas todas sem alma. O jazz não é um estilo etéreo, a Paris não entregue a sua evidente beleza, a cultura está decadente e escondida e não mais pulsante, as paixões não são mais tão ardentes, a arte está encoberta. Sinto pessimismo em relação ao filme. E isso responde à pergunta inicialmente feita. O que falta no filme é alma, a alma do grande Woody Allen.

Comments


© 2022 Perfil Cinéfilo: curso de cinema, crítica cinematográfica, curso de história do cinema

  • Instagram
  • Lattes
bottom of page