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Um Completo Desconhecido (2024)

Nascimento e transformação de um fenômeno

 

O conceito de "política dos autores", que emergiu na década de 1960 a partir dos críticos da revista francesa Cahiers du Cinéma, revolucionou a forma como entendemos a autoria no cinema. Essa teoria passou a consagrar o diretor como o verdadeiro autor do filme, atribuindo-lhe a responsabilidade última pela visão e execução da obra cinematográfica. Antes dessa ideia, figuras como o roteirista e o produtor tinham uma presença mais destacada. A partir desse marco, criou-se um culto em torno da figura do diretor, que não só passou a ser o centro das atenções nas análises de filmes, mas também passou a ser um filtro através do qual a qualidade e a importância de uma obra eram avaliadas. Esse fenômeno também gerou um certo favorecimento de alguns nomes enquanto outros foram negligenciados, muitas vezes apenas por não estarem inseridos nesse "círculo sagrado". Um exemplo disso é James Mangold, cineasta cujas produções, embora frequentemente bem-sucedidas e respeitadas, acabam sendo subvalorizadas em comparação com os "grandes mestres" do cinema. O fato de Mangold ser um nome que figura entre os grandes realizadores de Hollywood, mas que frequentemente escapa ao brilho das premiações principais, como o Oscar, é uma clara evidência de como a política dos autores pode ser limitada.

Um Completo Desconhecido

A carreira de Mangold é repleta de filmes de destaque, mas ele nunca foi verdadeiramente abraçado pela crítica e pela indústria cinematográfica de forma ampla. Produções como Garota, Interrompida (1999), Kate & Leopold (2001), Johnny & June (2005), Os Indomáveis (2007), Logan (2017) e Ford vs Ferrari (2019) são apenas alguns exemplos de sua habilidade em explorar diferentes gêneros e estilos. No entanto, Mangold continua a ser, de certa forma, uma figura subestimada dentro de Hollywood, um realizador respeitado, mas muitas vezes deixado de lado nas discussões sobre os maiores cineastas de sua geração.

Um Completo Desconhecido

Um exemplo paradigmático dessa subestimação é o filme Um Completo Desconhecido (2019), que, apesar de suas impressionantes oito indicações ao Oscar, saiu da cerimônia sem ganhar nenhuma estatueta. A obra narra a trajetória de Bob Dylan, a lenda do folk e do rock americano, nos seus primeiros anos de carreira, quando ele começou a trilhar o caminho de uma transformação sonora e pessoal. A interpretação de Timothée Chalamet como Dylan é uma das grandes qualidades do filme, mas, ao mesmo tempo, o filme é uma obra eminentemente dirigida, com Mangold imprimindo sua marca pessoal na forma como a história é contada e, principalmente, na recriação da época.

O filme se passa no começo dos anos 60, um período de efervescência cultural e social nos Estados Unidos, quando Dylan se afastava do folk tradicional para abraçar o rock, o que simbolizava também uma mudança na sociedade. Nesse contexto, a recriação visual e sonora do período se tornou um dos maiores desafios para Mangold e sua equipe. O trabalho de figurino, maquiagem e cenografia é absolutamente impressionante, com cada detalhe cuidadosamente planejado para transportar o espectador de volta àqueles tempos. O design de produção, juntamente com a trilha sonora, que naturalmente inclui várias das canções de Dylan, contribui para a imersão na época e na experiência de transformação de Dylan, refletindo a revolução cultural que estava em curso.

Um Completo Desconhecido

A cinebiografia não é apenas uma narração linear da vida de Dylan, mas também uma experiência musical, com as canções de Dylan sendo apresentadas de maneira integral e prolongada. Isso exige um tipo de apreciação mais profunda da música, o que pode não agradar a todos os públicos, mas que certamente ressoa de maneira única com os fãs de Dylan e com aqueles que valorizam uma imersão maior no contexto musical e histórico do período. A longa duração de algumas performances musicais no filme é um tributo não só à música de Dylan, mas à sua complexidade como artista, ao seu processo criativo e à sua busca incessante por se reinventar.

Em resumo, Um Completo Desconhecido justifica amplamente suas oito indicações ao Oscar. O filme não apenas reverencia a obra de Dylan, mas também exalta a habilidade de James Mangold como diretor. Ao sublinhar a importância da música, da época e da personalidade de Dylan, Mangold consegue oferecer um retrato multifacetado de um artista em transformação, e ao mesmo tempo, realiza uma obra que se destaca como uma das melhores cinebiografias da década.

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